Situações em que o PCP não deve emitir laudos, pareceres ou relatórios
A IS 183-002 traz, em sua seção 5.1.2.1, duas situações em que o PCP não deve emitir laudos, pareceres ou relatórios. São elas:
m) Exceto se de outra forma autorizado pela ANAC, o PC não deve emitir laudos, pareceres ou relatórios sobre dados de demonstração de cumprimento de requisitos ou aprovação de dados técnicos dos quais ele tenha sido autor ou coautor. No entanto, o PC pode ter trabalhado em conjunto com indivíduos que prepararam tais dados e ainda assim emitir esses documentos.
n) Não emitir laudos, pareceres ou relatórios sobre dados de demonstração de cumprimento de requisitos ou aprovação de dados técnicos quando considerar que não possui independência técnica para tal.
De início, é importante citar o princípio por trás dessas orientações, que é o bem conhecido “quem faz deve ser diferente de quem checa”.
Tal princípio, como se sabe, é bastante difundido na indústria aeronáutica, permeando atividades que vão desde as ações de manutenção até o projeto das aeronaves. Sua aplicação se baseia no fato de que o autor de um relatório, por exemplo, tem muito mais dificuldade em identificar um erro que ele mesmo cometeu do que um revisor independente.
Assim, tendo o PCP o papel de avaliar se as informações de demonstração de cumprimento de fato demonstram cumprimento com os requisitos, é essencial que essa avaliação seja independente. Obviamente, se o PCP for autor ou coautor das informações, tal independência fica comprometida.
Uma vez explicado o princípio, passemos aos aspectos práticos. Um exemplo de dúvida corriqueira é: uma pessoa que atuou como verificador (checker) de um relatório técnico pode posteriormente emitir um laudo, como PCP, sobre esse mesmo relatório? Neste ponto, devemos reconhecer que tal questão traz à tona algo importante: enquanto a autoria de um relatório é algo óbvio, a coautoria não é.
O fato é que, dependendo da atuação da pessoa no processo de geração do dado de demonstração, ela pode ou não ter atuado como coautora desse dado, o que dificulta a avaliação sobre se ela teria mantido a independência técnica que a permitiria emitir um parecer como PCP sobre aquele dado.
Reconhecendo essa dificuldade, a Anac criou o conceito de “distância segura”, apresentado a seguir.
Distância segura – conceito
Uma informação de demonstração de cumprimento normalmente não é obra de uma pessoa só. Várias pessoas colaboram com sua geração, algumas de forma mais próxima e outras de forma mais distante. Quanto mais próxima a pessoa está do processo de geração do dado, maior a chance de ela se tornar autora ou coautora daquele dado. Por outro lado, quanto mais distante estiver, menor essa chance.
Ao criar o conceito de “distância segura”, a Anac buscou traçar uma linha divisória entre a região em que a independência técnica é mantida e a região em que a pessoa já teria se tornado autora ou coautora do dado, devido à grande proximidade. A figura abaixo ilustra o conceito.
Em poucas palavras, uma pessoa que respeita a distância segura mantém sua independência técnica, não se tornando autora ou coautora do dado de demonstração, podendo assim emitir um parecer a esse dado como PCP.
Um exemplo simples de manutenção da distância segura é quando a pessoa, ao revisar um relatório, apenas aponta um erro de cálculo. O autor do relatório, ao receber o comentário, procederá à correção do cálculo, gerando uma nova revisão do documento.
Neste exemplo, fica claro que a pessoa não teve qualquer papel de autor ou coautor. A pessoa se limitou a apontar o que estava errado, sem propor uma solução.
Posteriormente, se essa mesma pessoa receber a tarefa de avaliar o relatório como PCP, ela poderia seguir adiante, pois manteve a distância segura na sua interação anterior com o autor.
Entretanto, se no processo de geração do dado de demonstração essa pessoa tiver atuado de forma a não apenas apontar o erro, mas também de confeccionar o dado correto, então ela teria se tornado coautora do dado, não mais respeitando a distância segura. Nessa situação, a pessoa não deveria emitir um parecer como PCP, pois não teria mais independência técnica para tal.
Questões frequentes sobre o conceito de distância segura
Posso trabalhar na mesma equipe do autor do relatório?
Sim, você pode. Isso está claro na IS 183-002, inclusive:
“No entanto, o PC pode ter trabalhado em conjunto com indivíduos que prepararam tais dados e ainda assim emitir esses documentos.”
É importante explicitar que distância segura não é o mesmo que máxima distância possível, muito pelo contrário. Mesmo trabalhando lado a lado com o autor do relatório, o que importa é a maneira como você participou da geração daquele dado. Se você, por exemplo, apenas deu uma “dica” ao autor para ler um certo livro ou Advisory Circular antes de ele escrever o relatório, você estaria mantendo a distância segura.
Ainda estou confuso... Poderiam me dar outros exemplos de atuação em que a distância segura é mantida?
Claro, abaixo listamos situações em que a pessoa mantém a distância segura no processo de geração de uma informação de demonstração de cumprimento.
Você mantém a distância segura quando:
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Discute premissas e metodologias.
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Aponta algo que deve ser levado em conta na geração do dado de demonstração, mas não confecciona o dado em si.
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Não participa da definição detalhada da solução técnica, mas opina sobre os rumos que a equipe de engenharia está tomando.
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Aponta algo que está errado, solicitando correções.
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Aponta algo que está faltando.
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Não define o que exatamente deve ser feito, deixando margem para que o autor decida.
Vale mencionar que os itens acima refletem a atuação dos especialistas da Anac, que constantemente participam de reuniões com os requerentes e enviam comentários aos documentos submetidos, ou seja, se envolvem de alguma forma na geração do dado de demonstração, mas – importante frisar – sempre mantendo a distância segura.
Assim, uma boa “regra de bolso” é se perguntar: “Será que o especialista da Anac faria isso que estou fazendo?”. Se a resposta for sim, a distância segura está mantida. Se for não, você não deve emitir um parecer, como PCP, a esse relatório, pois a distância segura teria sido violada, significando que você se tornou coautor do dado, não possuindo mais a independência técnica necessária para essa função.
Seria possível dar alguns exemplos concretos a fim de ilustrar o conceito?
Sim, daremos dois, sendo um onde a distância segura foi respeitada e outro onde não foi. Notar que, apesar de concretos, os exemplos são, ainda assim, hipotéticos.
Exemplo onde a distância segura é mantida:
A pessoa está avaliando um relatório que visa demonstrar cumprimento com o requisito RBAC 25.903(e)(2), que pede que um envelope de religamento em voo para os motores seja definido e, também, que cada motor possa ser religado dentro desse envelope.
Ao avaliar o relatório, a pessoa percebe que apenas foram executados pontos no meio do envelope e então questiona o autor se as condições testadas foram as mais críticas, pois os “cantos” do envelope costumam ser especialmente desafiadores para os motores.
O autor então reflete e percebe que seu relatório não está completo o suficiente, e que novos pontos de ensaio serão necessários.
Como, neste caso, a pessoa que estava avaliando o relatório apenas questionou sobre algo que estava faltando (a avaliação sobre se as condições mais críticas estariam cobertas), a distância segura foi mantida, e ela pode posteriormente emitir um parecer a esse relatório como PCP.
Exemplo onde a distância segura é violada:
Aproveitando o exemplo acima, digamos que a pessoa, além de apontar que o relatório é omisso com relação à avaliação das condições mais críticas, auxilie o autor a definir tais condições, especificando a altitude e a velocidade em que as partidas em voo deveriam ser executadas. Nesta situação, a coautoria se torna clara, a distância segura foi violada, e a pessoa estaria impedida de emitir um parecer como PCP a esse relatório por não ter independência técnica para tal.